Quanta cana a seca de abril destruirá?

por | 21 maio 2019 | Mercado, Notícias | 0 Comentários

Prof. Dr. Marcos Fava Neves

Neste artigo seguem os principais números e as reflexões tanto para o curto quanto para o longo prazo da cadeia agroindustrial da cana à partir dos fatos de abril e maio. A Canaplan estima a safra variando entre 553 milhões a 585 milhões de toneladas, com média de 569 milhões. Idade do canavial chegará a 3,9 anos e a produtividade será de 72 toneladas por hectare. Já temos quedas previstas.

E a seca que prejudica fortemente os canaviais jogou a favor da eficiência industrial, aumentando a oferta. Em abril foram processadas quase 60 milhões de toneladas de cana, contra 42 milhões do mesmo mês de 2017 (42,5% a mais). Esta cana gerou 2,24 milhões de toneladas de açúcar (22,4% a mais), 566,76 milhões de litros de anidro (14,22% a mais) e 2,15 bilhões de litros de hidratado (91,2% a mais). O mix do mês foi de 65,73% para etanol, contra 58,44% em abril do ano passado. Em relação à produtividade, os dados do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) trazem aumento de 4,28% (80,05 t/ha contra 76,77 t/ha em abril do ano passado).

A produção de etanol em abril foi 60% maior que no ano anterior. Somente na segunda quinzena foram produzidos 1,3 bilhão de litros, o maior volume desde agosto de 2015. Nos últimos 10 anos apenas 3 quinzenas registraram este volume de produção.

Archer Consulting estima o endividamento do setor em final de março/2018 no valor de R$ 88,98 bilhões, quase 4% superior ao valor do ano passado.

Destaques

Em relação à notícias de empresas neste mês, vale destacar três casos: a Copersucar, que vem implementando indicadores de performance para os 20 grupos que a compõe, permitindo análises comparativas a estes e visão de toda a cadeia de valor, além da tomada de ações de melhoria com base nestes dados comparativos. A Guarani comunicou que a participação de mercado de suas marcas passou de 4 para 12% no mercado nacional em apenas um ano. Está lançando agora produto com stevia + refinado (50% menos calórico) e também um açúcar cristal orgânico.

A Raízen também anunciou que aumenta sua participação no segmento de comercialização de energia elétrica em parceria com a WX Energy, por acreditar no crescimento deste mercado de energia livre. Deterá 70% desta empresa que já faturou US$ 1,1 bilhão em 2017, e tem ainda como oportunidade, o serviço de gestão de energia para clientes. Em nove meses a área de energia da Raízen já somava receita líquida de R$ 5 milhões e lucro de pouco menos de R$ 400 milhões. A empresa tem 1 gigawatt (GW) de potência via co-geração, usa um terço para mover as usinas e o restante é vendido (70% em leilões e 30% livre).

Em relação às reflexões dos fatos e números do açúcar, continuam as previsões de excesso de oferta, o que pode agravar a queda de 26% nos preços até o momento observada neste ano. Como fator altista neste momento resta apenas a seca no Brasil e aumento do consumo de etanol. A produção de açúcar da Índia deve bater 31 milhões de toneladas e na Tailândia passar de 15 milhões. A área na Índia na próxima safra pode superar os 5 milhões de hectares.

A FCStone estima a Índia passando o Brasil na produção do ciclo 2018/19. Prevêem produção de 32,9 milhões de toneladas, contra 31 milhões do Brasil. Canaplan estima a produção de açúcar em 29,9 milhões de toneladas. Para a Datagro teremos 30,8 milhões (de 5 a 6 milhões de toneladas a menos). A estimativa da produção brasileira vem caindo a cada mês. Já apareceu uma mais baixa ainda, da Archer, no valor de 28,5 milhões de toneladas. Vale lembrar que em 2017/18 produzimos 36,1 milhões de toneladas.

A Datagro estima superávit de açúcar em 2018/19 de 7,56 milhões de toneladas (safra com inicio em 1 de outubro) contra a projeção anterior de 6,3 milhões. O da atual safra (2017/18) seria de 10,79 milhões de toneladas. Já a OIA estima em 8,5 milhões e 11 milhões o superávit, respectivamente. LDC estima excedente de apenas 2 milhões de toneladas. Fora isto, a ISO – Organização Internacional do Açúcar chamou atenção para uma redução da demanda também, agravando o quadro. Usinas brasileiras vêm cancelando contratos de venda de açúcar, e apresentam baixíssima fixação para esta época do ano, estimada ao redor de 30%. A Sudzucker hoje na imprensa europeia reclama os prejuízos que vem levando por lá.

Subsídio na Índia

Algo que não poderia acontecer de forma alguma já vem dando sinais de implementação. Um subsídio de US$ 0,82/ton de cana a ser dado pelo Governo da Índia aos produtores de cana. Foi anunciado pela Associação das Usinas de Açúcar da Índia. Estima-se que o tempo para contestar a prática na OMC seja de pelo menos 30 dias. Na OMC o grupo de exportadores do açúcar já está contestando apoios governamentais à exportação de açúcar pela Índia.

Pelos cálculos da Archer, o dólar a R$ 3,60, o Petróleo a 72 dólares e o etanol tendo um preço de 60% da gasolina, equivaleria a 13.20 centavos de dólar por libra-peso açúcar equivalente. Resta torcer para grande escoamento da cana via hidratado, o que venho pregando aqui desde o início do ano.

O mundo segue firme no açúcar, mesmo com preços extremamente baixos. A estes preços e com custos ao redor de 15 a 16 centavos de dólar por libra-peso, vamos ver quem vai aguentar mais tempo. Nós pelo menos temos “a válvula de escape do hidratado”. E quem não tem?

Em relação às reflexões dos fatos e números do etanol e energia, as notícias são melhores quando comparadas às do açúcar, mas também temos percalços, que vale ler antes das boas. Segundo a ANP o consumo de combustíveis caiu 1% em março, mas terminou o primeiro semestre crescendo 1,1% (sempre em comparação ao ano anterior). O diesel cresceu 1,8% no trimestre, e o consumo do ciclo Otto caiu 1,6%, sendo que a gasolina caiu 9,5% e as vendas de etanol cresceram 44,4%. Em março o consumo foi 36% maior. Pela UNICA no Centro Sul foram vendidos 1,91 bilhão de litros em abril, praticamente 10% a mais que abril de 2017. Ou seja, o etanol rouba espaço da gasolina, mas o consumo de combustíveis caiu no mês.

E também caíram os preços. Somente em abril pelo CEPEA, os preços do etanol recuaram em quase 18% para o hidratado e 10% para o anidro. O anidro está ajudando no controle da inflação segurando os preços da gasolina, que não param de subir, pela composição de 27%.

Em abril importamos 387,44 milhões litros de etanol. Volume 250% maior que abril de 2017 e 20% maior que os 321 milhões de litros de março. No quadrimestre chegamos a 1,033 bilhão de litros, 23,6% a mais que os 835,76 milhões de litros deste período de 2017. Em valores (para o quadrimestre), importamos US$ 444,058 milhões, 5,9% a mais que os US$ 419,365 milhões deste período de 2017. Exportamos apenas 74,1 milhões de litros em abril e 322,5 milhões de litros desde o início do ano, gerando um déficit de US$ 240,25 milhões no ano.

Boa notícia veio dos EUA, com a aprovação pelo Presidente Trump das vendas de gasolina com 15% de etanol, durante todo o ano (era proibida no verão, com receio de aumento de fumaça). O risco agora é considerar o etanol exportado como parte componente no cumprimento das exigências ambientais, o que não seria bom ao Brasil.

Em relação ao futuro, o programa Rota 2030 avançou e o Governo exigirá, à partir de 2019, R$ 5 bilhões em investimentos anuais em pesquisa e desenvolvimento (chegando a 1,2% da receita operacional em alguns anos), como contrapartida reduzindo até R$ 1,5 bilhão de IRPJ e CSLL. Continua um imposto de importação de 35% nos automóveis. Busca-se eficiência e inovação com esta política.

RenovaBio

RenovaBio: metas são discutidas e revistas e agora espera-se uma participação de biocombustíveis na matriz de combustíveis aproxima de 28,6% em 2028. Para atingí-la necessitamos de 47,1 bilhões de litros de etanol, sendo 11,1 bilhões de anidro e 36 bilhões de hidratado. Temos a difícil meta de buscar 20 bilhões de litros adicionais em 10 anos. O estudo do MME diz que o impacto no preço da gasolina pela necessidade de compra dos CBios será de apenas 0,7%, e que os preços do anidro e hidratado devem cair, fazendo a gasolina C mais barata em 0,1%. Vale lembrar a estrutura do RenovaBio. Um CBio equivale a (redução de) uma tonelada de carbono. Os distribuidores de combustíveis terão que comprar os CBios, e como estes são gerados pela produção dos combustíveis renováveis, haverá aumento da demanda e consequentemente estímulo à oferta, principalmente do hidratado, que não tem limites para crescer.

Pelo Renovabio, quem ganha participação também é o Biodiesel, que terá em 2025 o valor de 15% de mistura no diesel tradicional. À partir de 2020 a mistura aumenta 1% ao ano até chegar a este valor. Há espaço para se atingir o B20, que é a meta da indústria, e isto seria excelente ao agronegócio.

No médio prazo, temos que olhar os custos da energia renovável vinda de outras fontes que não a biomassa da cana. Leilões com eletricidade vinda da energia solar pelo mundo tem caído de preços. Orelha em pé!

Finalizando… qual seria a minha estratégia com base nos fatos? Onde eu arriscaria agora em maio/junho: Neste mês tive o privilégio de fazer a palestra magna do encontro do Cultivar, da Raízen, para centenas de produtores, em Atibaia. Falei da cana em 2018 e em 2028. Em 2018 tenho explorado nos nossos textos mensais que vocês acompanham, mas insisto que é fundamental agora a explosão do consumo de hidratado, maior ainda que o ocorrido em abril, e com isto o Brasil tentar tirar de 8 a 10 milhões de toneladas do mercado mundial de açúcar. Carros para isto não faltam, pois a frota de veículos flex hoje está perto de 28 milhões e era de 24 milhões em 2015. Pena que os preços ao consumidor demoraram tanto para cair abaixo de 70%, prejudicando a minha estratégia. E também lembrar que teremos problemas na oferta de cana. Como não deixo de arriscar, aposto hoje no açúcar em 14 cents até o final da safra. Para 2028, são muitas as questões para pensarmos, mas sigo otimista e trataremos disto em palestras com os Srs. ao longo deste ano e nos textos futuros aqui.

Marcos Fava Neves, especialista em planejamento estratégico do agronegócio, é Professor Titular dos Cursos de Administração da USP em Ribeirão Preto e da FGV em São Paulo.

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